sábado, 27 de novembro de 2010

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Drummond

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Prometo nunca mais sofrer

A sombra fétida da noite no Centro me provoca vertigens
Mesmo assim eu danço no asfalto

O cheiro forte de perfume maltrapilho incendeia a atmosfera
Eu corro pelo bosque e abraço girassóis

A nuvem industrial coaduna com a gripe A dos motores automobilísticos
Eu prefiro outras fumaças

O sol amanhece me convidando para uma seita secreta
Eu tomo banho de mar

Hoje tudo convergia para um drama italiano
Eu transformei em tango argentino

(rodrigo vaz)

domingo, 14 de novembro de 2010

Paradoxo

As nuvens amanheceram pesadas, úmidas e prestes a explodir
Mesmo assim corro na rua e me banho no seu choro
Sou avatar de seu derrame lacrimal


O sol queima meus olhos
E esconde o desejo ardente que tenho de ser brilho
De ser Ele
Me contento com o conseqüente suor que escorre pelo meu corpo

Aproveito a noite pra me vingar
Me identifico com a Lua
Sou meio de Lua
E surjo no horizonte só pra incomodar os desamores do dia-a-dia
Só pra aumentar a fome dos dessabores de teu paladar
Só pra incomodar o desalento de teu sexo

Ao me encarar, você corre para o papel
A escrita é o teu consolo de menino vadio
Vagabundo das noites escuras e frias
Dançarino nos lixões desta velha senhora amarga

Escrever é um ato solitário
De produzir eco num Outro de mim mesmo

(rodrigo vaz)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Dedicatória

Quem foi que disse que eu escrevo para as elites?
Quem foi que disse que eu escrevo para o bas-fond?
Eu escrevo para a Maria de Todo o Dia.
Eu escrevo para o João Cara de Pão.
Para você, que está com este jornal na mão...
E de súbito descobre que a única novidade é a poesia,
O resto não passa de crônica policial – social – política.
E os jornais sempre proclamam que “a situação é crítica”!
Mas eu escrevo é para o João e a Maria.
Que quase sempre estão em situação crítica!
E por isso as minhas palavras são quotidianas como o pão nosso de cada dia.
E a minha poesia é natural e simples como a água bebida na concha da mão.

Mario Quintana