quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O avião da Bela Adormecida

Era ela, elástica, com uma pele suave da cor do pão e olhos de amêndoas verdes, e tinha o cabelo liso e negro e longo até as costas, e uma aura de antiguidade que tanto podia ser da Indonésia como dos Andes. Estava vestida com um gosto subtil: jaqueta de lince, blusa de seda natural com flores muito ténues, calças de linho cru, e uns sapatos rasos da cor das buganvílias. "Esta é a mulher mais bela que vi na vida", pensei, quando a vi passar com seus sigilosos passos de leoa, enquanto eu fazia fila para abordar o avião para Nova York no aeroporto Charles de Gaulle de Paris. Foi uma aparição sobrenatural que existiu um só instante e desapareceu na multidão do saguão.
Eram nove da manhã. Estava nevando desde a noite anterior, e o trânsito era mais denso que de costume nas ruas da cidade, e mais lento ainda na estrada, e havia caminhões de carga alinhados nas margens, e automóveis fumegantes na neve. No saguão do aeroporto, porém, a vida continuava em primavera.
Eu estava na fila atrás de uma anciã holandesa que demorou quase uma hora discutindo o peso de suas onze malas. Começava a me aborrecer quando vi a aparição instantânea que me deixou sem respiração, e por isso não soube como terminou a polémica, até que a funcionária me baixou das nuvens chamando minha atenção pela distracção. À guisa de desculpa, perguntei se ela acreditava nos amores à primeira vista. "Claro que sim", respondeu. "Os impossíveis são os outros" Continuou com os olhos fixos na tela do computador, e me perguntou que assento eu preferia: fumante ou não-fumante.
- Dá na mesma - disse categórico - desde que não seja ao lado das onze malas.
Ela agradeceu com um sorriso comercial sem afastar a vista da tela fosforescente.
- Escolha um número - me disse. - Três, quatro ou sete.
- Quatro.
Seu sorriso teve um fulgor triunfal.
- Nos quinze anos em que estou aqui - disse -, é o primeiro que não escolhe o sete.
Marcou no cartão de embarque o número do assento e me entregou com o resto de meus papéis, olhando-me pela primeira vez com uns olhos cor de uva que me serviram de consolo enquanto via a bela de novo. Só então me avisou que o aeroporto acabava de ser fechado e todos os vôos estavam adiados.
- Até quando?
- Só Deus sabe - disse com seu sorriso. O rádio avisou esta manhã que será a maior nevada do ano. Enganou-se: foi a maior do século. Mas na sala de espera da primeira classe a primavera era tão real que havia rosas vivas nos vasos e até a música enlatada parecia tão sublime e sedante como queriam seus criadores.


Gabriel García Márquez

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